sábado, 14 de janeiro de 2012

Vinde adorar o Menino

Pastores da raia

Argemil - Alda

Soam guizos apressados
Na poeira do caminho
Pés doridos do cansaço
De conduzir o rebanho
Ao pasto doce e verdinho
O cão tem por companheiro
De tanta monotonia
O céu aberto de encantos
Dele, sol e chuva a cântaros,
Para regar a pradaria





Argemil

Das ovelhas guardador
São quase a sua família
Desde a aurora ao sol pôr
Palmilha só o seu fado
E traz nas mãos calejadas
De segurar o cajado
O estigma de ser pastor
É feliz, fez sua escolha
No alforge traz a paz
A merenda e o amor
“Vamos lá, toca a andar!
Que ainda há muito a palmilhar!”



 Eu nunca guardei rebanhos
Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.
Alberto Caeiro (heterónimo de Fernando Pessoa)


Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.
E se desejo às vezes
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.
Alberto Caeiro (Heterónimo de Fernando Pessoa)


 
São Cornélio

Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas idéias,
Ou olhando para as minhas idéias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.

Alberto Caeiro (Heterónimo de Fernando Pessoa)

 

São Cornélio

O Pastor
Ai que ninguém volta
ao que já deixou
ninguém larga a grande roda
ninguém sabe onde é que andou
Ai que ninguém lembra
nem o que sonhou
(e) aquele menino canta
a cantiga do pastor
Ao largo
ainda arde
a barca
da fantasia
e o meu sonho acaba tarde
deixa a alma de vigia
Ao largo
ainda arde
a barca
da fantasia
e o meu sonho acaba tarde
acordar é que eu não queria.

Cantiga do Pastor - Madredeus


São Cornélio
Guardem os vosso rebanhos, pastores.
"Fernando Pessoa, agora na pele e na pena de Alberto Caeiro escreveu: «Sou um guardador de rebanhos, e os rebanhos é os meus pensamentos».
O problema não é ter muitos pensamentos - ah pois.... é que há por aí quem queira matar o rebanho e convencer-nos, ou forçar-nos, a parar de pensar. As ideologias no topo da lista – religiosas e outras!

O problema é outro e Sarte tinha razão: «o inferno são os outros». E é... esses muitos outros que nos habitam, nos incomodam, nos inquietam cá dentro....esses muitos outros (pensamentos) interiores que, como rebanhos rebeldes, não conseguimos domar e dominar! Esse é que é o problema: as ovelhas negras! Há que aprender a lidar com as ovelhas negras.

Que os montes e vales da nossa vida sejam povoados - densamente povoados - de pensamentos. Muitos pensamentos. Até, quem sabe, pensamentos difusos, díspares, diferentes mas que, no fim do dia, no fim da vida, conseguimos recolher como o pastor recolhe as ovelhas no redil. E tornam-se, como que por magia, num rebanho afinal ordenado, conjugado, coerente, em que tudo fazia sentido sem termos, afinal, sentido dessa maneira.
Guardem os vosso rebanhos, pastores.
Luis Melancia



Argemil

Pastor do Monte
Tão Longe de Mim
Pastor do monte, tão longe de mim com as tuas ovelhas
Que felicidade é essa que pareces ter — a tua ou a minha?
A paz que sinto quando te vejo, pertence-me, ou pertence-te?
Não, nem a ti nem a mim, pastor.
Pertence só à felicidade e à paz.
Nem tu a tens, porque não sabes que a tens.
Nem eu a tenho, porque sei que a tenho.
Ela é ela só, e cai sobre nós como o sol,
Que te bate nas costas e te aquece, e tu pensas
noutra cousa indiferentemente,
E me bate na cara e me ofusca. e eu só penso no sol.

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa


Travancas

O Pastor Amoroso
O pastor amoroso perdeu o cajado,
E as ovelhas tresmalharam-se pela encosta,
E de tanto pensar, nem tocou a flauta que trouxe para tocar.
Ninguém lhe apareceu ou desapareceu.
Nunca mais encontrou o cajado.
Outros, praguejando contra ele, recolheram-lhe as ovelhas.
Ninguém o tinha amado, afinal.
Quando se ergueu da encosta e da verdade falsa, viu tudo:
Os grandes vales cheios dos mesmos verdes de sempre,
As grandes montanhas longe, mais reais que qualquer sentimento,
A realidade toda, com o céu e o ar e os campos que existem, estão presentes.
(E de novo o ar, que lhe faltara tanto tempo, lhe entrou fresco nos pulmões)
E sentiu que de novo o ar lhe abria, mas com dor, uma liberdade no peito.

Fernando Caeiro, Heterónimo de Fernando Pessoa

Dadim

Olha, Marília, as flautas dos pastores
Que bem que soam, como estão cadentes!

Bocage

São Vicente - Alberto
Ola, guardador de rebanhos

Olá, guardador de rebanhos,
Aí à beira da estrada,
Que te diz o vento que passa?»

«Que é, vento, e que passa,
E que já passou antes,
E que passará depois.
E a ti o que te diz?»

Fernando Pessoa

Roriz
Que haverá para além das montanhas?

Era um pobre pastor. Vivia numa aldeia triste e tinha como único amigo o seu cão. Mas o homem era novo e tinha esperanças. Às vezes, fitava os horizontes e perguntava a si próprio:
— Porque razão não poderei atravessar aquelas serras?... Ir ver o mundo que fica do outro lado? Ah! Hei-de ir um dia... hei-de ir! Isto aqui é pequeno para mim… e aquelas serras são tão grandes... tão altas!... Que haverá para além das montanhas?
Lenda do Pastor e da Serra da Estrela




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