quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A República longe daqui

O centenário, visto da aldeia
Travancas da Raia, 5 de Outubro de 2010



Tencionava assistir em Lisboa, no dia 5 de outubro de 2010, às comemorações do centenário da implantação da República.

Contudo, a intempérie do último domingo, impedindo-me de viajar nesse dia, em segurança, trocou-me as voltas e só me fui embora com a bonança, depois de reparados estragos causados  pelo violento temporal.



Durante todo o dia, chuva intensa inundou lojas e rajadas de vento  partiram ramos de castanheiros. Algumas casas, incluindo o Café Central, ficaram sem energia elétrica desde a tarde de domingo até segunda-feira à hora do almoço.



Na noite de espera, à lareira, sem luz, televisão e internet, senti-me recuar ao tempo em que as casas eram iluminadas à luz da candeia.




Quem não se recorda? Foi há pouco mais de trinta anos que o regime republicano, finalmente,  se lembrou de trazer a energia elétrica a este rincão da raia transmontana!

Heroe de Chaves


No litoral há piquetes de urgência, mesmo ao domingo. Em Travancas, a EDP, para reparar a avaria numa linha, esperou por abrir as portas na segunda-feira, para então mandar um técnico à montanha, fazer a reparação.





O feriado passa ao lado da população. Vive-se noutro mundo, não se para de trabalhar. A efeméride é como se não existisse, faz-se o mesmo de todos os dias, ao ritmo das estações do ano. Lavra-se, corta-se lenha, apanham-se as nozes... Há ouriços caídos no chão mas o tempo das castanhas ainda não começou.



Nos linhares, as cabaças amarelas - na Terra de Ledra chamam-se botelhas - gozam na terra os últimos raios de sol quente.




Lavam-se as pipas. No lagar faz-se vinho com uvas compradas em Curral de Vacas e noutras terras menos frias.



Há videiras,  mas não há vinhas e não se   fazem vindimas, presumo eu, porque as uvas, como as da latada do senhor Hermínio, para cima de 200 kg, apodrecem com as chuvas de outono, antes de amadurarem completamente.




Em direto, através da televisão, sabe-se que em Lisboa os políticos, com ar grave e solene, festejam a data, em que há cem anos, o Partido Republicano, carbonários e maçons  depuseram o monarca,  substituindo-o na chefia do estado  por um presidente, eleito pelos deputados.


A República parlamentar soçobrou ao fim de 16 anos conturbados, período durante o qual o país teve oito presidentes e 45 governos. Nesse tempo, distante da globalização do mundo atual, as mudanças mal chegavam a ser conhecidas nas terras do interior.




Nas veias das gentes da raia não corre sangue azul. Sem a celebridade dos Defensores de Chaves,  na luta contra os monárquicos trauliteiros...



...republicanos anónimos, consagram a data da implantação da República na toponímia da aldeia, dando  o nome de Rua 5 de Outubro, a uma das artérias da terra.



Contudo não se deitaram foguetes pelo centenário  da instauração do regime republicano, nem a bandeira nacional foi hasteada no mastro da sede da Junta de Freguesia.



Aliás, pensando bem, comemorar o quê? Dar vivas à República que substituiu el-rei por um presidente não eleito pelo povo e proibiu mulheres e analfabetos de votarem na eleição dos deputados?

Há cem anos não havia escolas na freguesia e a Primeira  República - de 1910 a 1926 - manteve a população analfabeta.

Só na década de quarenta do século  XX, na ditadura de Salazar, - Segunda República - é que, a expensas da população, foi construído um edifício onde a Dona Lúcia Quadra  dava aulas, da primeira à quarta classe, numa mesma sala, a mais de quarenta crianças de Argemil, Travancas e São Cornélio.



Essa escola, situada no terreno onde está a Junta de Freguesia, terá sido demolida, pelos meus cálculos, por alturas do 25 de Abril de 1974, ao mesmo tempo em que foram construídas novas escolas primárias em Argemil e na sede da freguesia, em terreno comprado pelo povo. Os alunos de São Cornélio foram encaminhados para a Escola Básica da freguesia de  Mairos.



Com a emigração, o êxodo rural e o decréscimo da natalidade, a escola nova de Travancas  foi encerrada, pela República democrática, há uns anos atrás, passando os alunos, desde então, a frequentar a escola primária de Argemil. Com o encerramento desta, por sua vez, em outubro de 2009, a freguesia voltou a ficar sem qualquer escola, como há mais de cem anos, no tempo da monarquia constitucional. 



Entretanto, as instalações escolares, património da res publica - coisa do povo - degradam-se, votadas ao abandono*.


*Posteriormente, depois de publicada a postagem, encontrei no blogue Travancas***Freguesia ,  informação complementar sobre a construção das escolas de Travancas. Dele transcrevo excertos que reforçam a tese de que em cem anos a República pouco fez  pela educação na aldeia.


"No local onde existe hoje a Sede da Junta de Freguesia foi construído o primeiro edifício da escola Primária a expensas da população.

Para o efeito, procedeu-se à divisão dos terrenos comunitários no Vale Grande em parcelas com aproximadamente ½ hectare em que cada vizinho pagou a importância de 50$00 este facto passou-se no ano de 1940/41 e foi à altura, a primeira Professora a Dª Lúcia Quadra ( Dª LUCINHA) natural da aldeia de HIDRAL concelho de VINHAIS.

O terreno onde existe a actual escola primária e o centro de saúde foram adquiridos pela população ao Senhor AUGUSTO TRINTA pelo valor de" 
Fonte: José António Maldonado in http://tasmontestravancas.blogspot.com/

1 comentário:

Anónimo disse...

Ohhh, como me lembro daquele livro, que boas recordações da infância. Parabéns por mais uma boa crónica.